Letra: Ermírio Barreto (mote), Daniel Gouveia (glosas).
Música: Popular (Fado Mouraria)
Guitarra: Filipe Lucas Viola: Lelo Nogueira
(CD Meu disco! Meu fado!, Metro-Som, Lisboa, 2006)
REZA
Eu vi minha mãe rezando,
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.
Ermírio Barreto (Brasil, 1893-1975)
Em pequeno, lembro bem,
quando a vida era risonha
e a gente nem sequer sonha
todo o mal que o mundo tem,
já por mim pedia alguém,
junto ao altar, suplicando
que a Virgem fosse poupando
ao seu menino revezes.
De mãos postas, tantas vezes,
eu vi minha mãe rezando.
Já tendo no rosto os traços
de quem, sendo mãe, sofreu,
aquela que tudo deu
p'ra conduzir os meus passos,
vendo, com a alma em pedaços,
que o seu menino partia
a combater quem não queria,
como que a pedir conselhos,
foi soluçar, de joelhos,
aos pés da Virgem Maria.
Mais tarde, quando sentava
ao colo os netos que ouviam
histórias mil que enterneciam
quem junto dela ficava,
meus filhos, a quem falava,
iam sorrindo, sonhando...
E a um canto um rosto brando
parecia sorrir também,
que, em seu nicho, a Virgem Mãe
era uma santa escutando.
E quando o dia chegou
(triste dia, p'ra quem sente...)
e minha mãe, docemente,
junto de Deus se sentou,
se aos Santos de mim falou,
que quadro esse não seria
ouvi-la Santa Maria
com leve contrariedade,
por saber não ser verdade
o que outra santa dizia.